Ano decisivo para cultura do cuidado

Rosângela Florczak
6 min readMar 22, 2021

A transformação digital da educação brasileira chegou junto com a pandemia da Covid-19. Como toda mudança profunda veio carregada de incertezas. São imposições do cenário externo, perdas, desconfortos e muita desconfiança. Mas veio para ficar. O ano de 2021 será de profundas transformações que estão apenas começando. O planejamento das mudanças precisa incluir os aprendizados que 2020 apresentou para o ambiente educacional. Mais do que planejar as mudanças e gerenciar os riscos delas decorrentes, é preciso incluir a cultura do cuidado de forma definitiva no cotidiano de escolas e universidades.

Muito além da tecnologia, a transformação digital implica em um novo jeito de ser escola e universidade, exigindo um repensar do propósito, dos relacionamentos estabelecidos, da forma de participar do cenário social e do ritmo das decisões a serem tomadas. Novas mudanças serão necessárias para que as organizações educacionais possam manter a relevância social e não sucumbam às diferentes pressões estabelecidas por grupos de interesses específicos ou acabem se perdendo na gestão cotidiana das disputas e polarizações.

Muito além da tecnologia, a transformação digital implica em um novo jeito de ser escola e universidade, exigindo um repensar do propósito, dos relacionamentos estabelecidos, da forma de participar do cenário social e do ritmo das decisões a serem tomadas.

O cuidado começa com a necessidade de uma profunda e célere compreensão do atual cenário e das novas mudanças que dele decorrem. É certo que hoje a sociedade precisa da escola e da universidade mais do que em qualquer outro tempo. Mas é preciso compreender quais são as necessidades e oportunidades para que as organizações contribuam com efetividade para atender as demandas que emergiram ou se fortaleceram a partir de tudo que vem sendo enfrentando durante a pandemia. É dessas novas demandas que emergem quatro desafios que destacamos aqui e que precisam ser imediatamente enfrentados junto com seus respectivos riscos.

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Quatro desafios para escolas e universidades em 2021

O primeiro desafio é — se não a tecnologia pura e simplesmente –, o novo comportamento digital da sociedade. O acesso instantâneo, o sentimento de transparência, a agilidade ou celeridade, os relacionamentos horizontais e igualitários são elementos que se juntam à necessidade técnica de conceber aulas híbridas, de estar inserido nos recursos educacionais que já estão no cotidiano das pessoas, de compreender os novos serviços que legitimamente só podem ser desenvolvidos pela educação formal e de coloca-los à disposição da sociedade.

Para enfrentar essa mudança, escolas e universidades precisam gerenciar riscos importantes. Entre eles: como evitar a perda da essência e atualizar sua identidade para os novos tempos, como evitar as simplificações e confusões de entendimento junto a estudantes e famílias, quais os serviços educacionais que perderam espaço e competitividade e como manter os diferenciais e, ainda, como não perder relevância no cotidiano de crianças, jovens e famílias.

O segundo desafio que se impõem às instituições que buscam exercitar a cultura do cuidado a partir de um olhar rigoroso para o novo cenário é, justamente, compreender a sociedade que emerge da pandemia. A construção do empoderamento e a busca da autonomia do cidadão foi intensificada sem a necessidade de autorização de organizações hierarquizadas.

Estudantes exercitam o amadurecimento cobrando transparência e envolvimento na tomada de decisão de escolas e universidades; famílias e instituições pares querem ser cada vez mais consultadas, reivindicando um diálogo sem fim. Gestores educacionais e professores deixam, em definitivo, o lugar de autoridades do conhecimento e passam a conviver com os questionamentos permanentes no cotidiano educacional. A notícia boa é que há conteúdo excelente e diferenciado para participar dos diálogos permanentes, basta fortalecer a disponibilidade e a abertura para ocupar um lugar na conversação social.

Os riscos que surgem e precisam ser muito bem prevenidos com estratégias claras são: dialogar para evitar o desentendimento generalizado, esclarecer boatos e notícias falsas, ter resiliência para os desgastes emocionais, evitar a perda de talentos e a evasão de estudantes, além de gerenciar uma comunidade cada vez mais ansiosa com exigências muitas vezes desequilibradas.

O empoderamento, especialmente quando envolve grupos que lutam contra o impacto das desigualdades se transformam nos ativismos sociais que também reverberam nas escolas e universidades e se configuram como o terceiro desafio. Esse é o terceiro desafio que se apresenta no cenário a ser analisado. Por ser, saudavelmente, lugar de pensamento crítico, muitas vezes as instituições favorecem os questionamentos sobre discriminações e injustiça social, especialmente entre seus estudantes. Vitaminadas pelas trocas nas redes sociais, as ações ativistas, entretanto, fazem um movimento recursivo e exercem a vigilância sobre o mesmo espaço que os gerou.

Possíveis atitudes discriminatórias que possam ser consideradas como racismo, machismo, homofobia, entre outras discriminações são refutadas publicamente. Mais do que evitar essas situações por meio da formação continuada e dos sistemas de compliance, escolas e universidade precisam compreender que os ativismos exigem ações afirmativas de combate à discriminação e uma educação comprometida com os direitos humanos e com a responsabilidade social e ambiental. As escolas e universidades tornam-se espaços de formação plural, abertas aos conflitos sociais, na maioria das vezes contraditórios.

É preciso gerenciar riscos bastante presentes neste contexto. Entre eles, estabelecer a prevenção aos ataques públicos, planejar o diálogo que atenda os questionamentos internos e externos, estar preparado para escândalos envolvendo denúncias de situações discriminatórias, ter estratégias de conciliação das polarizações e posicionamentos ideologicamente antagônicos em uma mesma comunidade acadêmica e, também, ter respostas aos questionamento cotidianos acerca da relevância social da escola ou universidade.

O quarto desafio está no espaço no qual a força dos ativismos se potencializa pelo compartilhamento da indignação e da esperança que são as redes sociais estabelecidas nas plataformas da internet e nos aplicativos de conversa. Reconhecer que este ambiente se tornou extensão das organizações educacionais e como tal precisa de acompanhamento é um ponto central da cultura do cuidado.

Neste novo espaço, altamente valorizado em tempos de isolamento social e ausência do presencial, as trocas um a um nos aplicativos de comunicação instantânea e as opiniões compartilhadas dispensam a mediação. É possível debater as decisões e os encaminhamentos de escolas e universidade sem tê-las presente nos diálogos.

Os famosos “grupos de mães e pais” ou “grupos da turma” nesses aplicativos baseados na conversação formam uma espécie de boca-a-boca midiatizado disseminando informações, opiniões e interpretações de forma rápida e em larga escala. As organizações educacionais também passam a ter seu cotidiano escrutinado nas redes, potencializando comportamentos de professores, estudantes e famílias, assim como as decisões gerenciais.

Entre os riscos a serem gerenciados estão: detectar e tratar os ataques mal intencionados com grande alcance e perda de reputação, reconhecer que os diálogos da comunidade acadêmica acontecem sem a presença da escola ou universidade (Whatsapp, Signal e Telegram, por exemplo); ter processos para detectar e gerir a viralização descontextualizada de informações sobre o cotidiano da escola e capacitar as pessoas para evitar comportamentos inadequados de professores, estudantes e famílias nas redes sociais.

Exercitar a cultura do cuidado exige o olhar atento ao mundo cotidiano. É a partir da leitura das grandes mudanças, com suas respectivas necessidades, oportunidades e riscos que a gestão educacional parte para o planejamento e para a ação. Com o gerenciamento efetivo dos riscos, mantém e reforça sua relevância na vida das pessoas que integram a comunidade acadêmica e da sociedade. Estudantes, professores, famílias aguardam o pós-pandemia, ansiosos para voltar ao convívio social e encontrar uma organização educacional igualmente acolhedora, mas profundamente transformada pelo curso da história recente.

Estudantes, professores, famílias aguardam o pós-pandemia, ansiosos para voltar ao convívio social e encontrar uma organização educacional igualmente acolhedora, mas profundamente transformada pelo curso da história recente.

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Rosângela Florczak

Consultora e Professora em Comunicação Corporativa e gestão de reputação, especializada em Prevenção e Gestão de Crise. Doutora e mestre em comunicação (PUCRS)